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SALA 01 - História e Memoria do Poder Judiciário no Nordeste do Pará: entre poderes e sociabilidades

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Coordenação: Profª. M. Sc.  Magda Nazaré Pereira da Costa – FAHIST/UFPA-Bragança

Equipe de pesquisa: Jainara Priscila Sousa e Souza; Illa Maria da Silva Miranda; Marcos Fogaça Vieira; Rick Tainã Ferreira Quadros; Filipe de Sousa Miranda; Raiana Silveira; Victor Luiz Damasceno.

 

Em 2017 quando foi criado o projeto Preservação Documental e Organização dos Arquivos Históricos das Comarcas de Bragança e Ourém no Nordeste do Pará – PRODOC, um conjunto de atividades de conservação preventiva passou a ser desenvolvido junto aos acervos permanentes dos arquivos dos Fóruns de Bragança e de Ourém, os quais guardam um patrimônio documental de grande relevância para a história e para a memória do Poder Judiciário estadual naquelas Comarcas e seus reflexos no cotidiano de vida e de trabalho de sujeitos diversos levados à instância da justiça sob circunstâncias e tempos específicos. Com este trabalho, vem sendo revelado um rico acervo de materiais arquivísticos, profícuo a produção historiográfica daquela região, datado a partir de meados do século XIX, quando ocorre a criação das referidas unidades judiciárias.


Em 180 anos de funcionamento (1839-2019), a Comarca de Bragança produziu uma grande quantidade de registros relativos às atividades administrativas e jurídicas do Poder Judiciário do Pará. Atualmente, o montante de documentos organizados e catalogados ali, corresponde aos anos de 1865 a 1988 e compreende mais de três mil processos cíveis e criminais, inventários, livros de sentença e demais registros de naturezas diversas, que provavelmente, materializavam provas das ações julgadas.


No arquivo da Comarca de Ourém, as atividades do PRODOC foram iniciadas em 2019 e até o momento, foram organizados cerca de 500 registros judiciários, aproximadamente, referentes às atividades fins da justiça naquela circunscrição. Vale ressaltar, que o Termo de Ourém, é criado ainda nos idos de 1833, por ocasião da nova Divisão das Comarcas e Termos da Província do Pará. Desde então, Ourém passou por um longo período marcado por instabilidade na organização e estruturação do Poder Judiciário paraense na região do rio Guamá (MUNIZ, 1925; MATOS, 2007). Fato, que a coloca, juntamente com Bragança, na condição das jurisdições mais antigas e relevantes para a compreensão das estratégias, articulações e determinações da Justiça no Nordeste paraense e suas relações com a então Província do Maranhão.


Desse modo, apesar de se tratar de um acervo cujo perfil supostamente apresenta informações, relativas à esfera e ao exercício do poder, é possível observar a partir da preservação de seus registros, diferentes histórias reveladas nos meandros dos relatos tomados pela Justiça às partes envolvidas e às testemunhas arroladas nos processos de diversas ações motivadas por crimes, conflitos, querelas e demais situações, que retratam uma complexa teia de relações engendradas no cotidiano de sujeitos comuns de determinadas localidades dos antigos Termos de Bragança, de Ourém.

Referências bibliográficas


BELLOTTO, Heloisa Liberalli. Arquivos: estudos e reflexões. Belo horizonte: Editora UFMG, 2014.

 

Comissão Técnica Interdisciplinar para a gestão de documentos da Justiça Federal Conselho Nacional de Justiça (BRASIL). Manual de Gestão Documental do Poder Judiciário. Brasília, outubro de 2011.

DERRIDA, Jacques. Mal de arquivo. Uma impressão freudiana. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2001.


MATOS, Arlindo. Oureana de Além mar. Ourém: Pará, 2017.

 

MUNIZ, Palma. O Município de Ourém: estudos de limites e apontamentos históricos. Belém. Officinas Graphicas do Instituto Lauro Sodré, 1925.


RICOEUR, Paul. Memória, História e Esquecimento. Campinas: Editora da Unicamp, 2007.


VEIGA, Alexandre. Judiciário, História e Arquivologia: gestão de arquivos judiciais como fontes historiográficas. Anais do XII Encontro Estadual de História. História, Memória e Patrimônio. FURG, 2012, pp. 692-704.

DOCUMENTOS

Documento 01

Transcrição do Documento

Carta de liberdade passada em favor da escrava Benedicta como abaixo se declara.


O Tenente Coronel Antonio Felippe de Miranda, Juiz Municipal de Orphão 1º Supplente em exercicio do termo de Bragança.


Faço saber aos que a presente carta de liberdade virem ao seu conhecimento chegar, que tendo Benedicta, escrava de Joaquim Gomes, requerido sua liberdade mediante indennisação de seu valor, e tendo o processo de arbitramento seguido os tramites legais, sendo afinal julgado por setença, por ter a referida escrava recolhido a deposito a quantia de 350:000, preço porque foi avaliada, mandei passar a presente carta, com a qual a mencionada escrava Benedicta entrará no goso de sua liberdade, como se de ventre livre houvesse nascido.


Bragança, 18 de Março de 1885.
Eu Pedro José Pereira, escrivão, o escrevi.

[f.2]

Juiz de Orphãos 1º Supplente em exercicio.


Nomeio depositário da Escrava e pecúlio o Tenente Manoel Rodrigues da Silva Curador o Cidadão Joaquim José Ferreira Porto Junior. Escrivão convide o senhor da escrava para.


Diz a escrava Benedicta de propriedade de Joaquim Gomes, que pretendendo tratar de sua liberdade, e não o podendo fazer por achar-se em casa do seu dito Senhor, vem por isso perante Vossa Senhoria exhibir a importância de tresentos mil réis de seu pecúlio e requer que seja depositada nem só a referida quantia como a suplicante. e bem assim que seja citado o seu dito senhor para o accordo, na forma da lei, seguindo-se os demais termos.


De assim Vossa Senhoria deferir a Supplicante por ser de justiça.

Bragança 16 de Setembro de 1884.
A rogo da Suplicante.
Silvestre Benedicto de Oliveira Pantoja.

[...]

[f.9]

Audiencia de accordo

Aos vinte e trez dias do mez de Setembro de mil oito centos e oitenta e quatro, nesta cidade de Bragança, Provincia do Pará, em casa da Camara Municipal em que se achava perante o Juiz de Orphãos primeiro Supplente em exercicio do termo, Tenente Coronel Antonio Felippe de Miranda comigo Escrivão de seu cargo ali presentes o senhor da escrava Benedicta representada por seu procurador Alferes Antonio Marianno Marinho e bem assim o curador da mesma escrava, Joaquim José Ferreira Porto Junior, acompanhando a dita escrava, o dito Juiz tendo a petição de folhas expõe ao procurador do senhor da escrava a intenção desta. Pelo referido procurador do Senhor da mencionada escrava, porém(?), foi declarado que não acceitava o pecúlio exhibido, pois que exigia
pela escrava seiscentos mil réis, por ser ella moça. O curador da escrava, porém, declarou que muito embora seja ella moça é entretanto quase branca o que lhe tira o valor e além disso está em
vésperas de parir que também lhe tira o valor. O pro [f.9v] curador do senhor da escrava foi dito que neste caso requeria que adiasse o accordo para depois de ter o parto, quando ficaria livre desse perigo alegado pelo seu curador. E não havendo por tanto o accordo, o Juiz mandou que os autos lhe fossem conclusos. Do que para constar lavrei este termo, que assignaram. Eu José Teixeira da Silva Bittencourt, escrivão,o escrevi.


Antonio Marianno Marinho.
Joaquim José Ferreira Porto Junior.

Conclusão

Aos vinte e trez dias do mez de Setembro de mil oito centos e oitenta e quatro, faço estes autos conclusos do Juiz de Orphãos 1º Supplente em exercicio do termo Tenente Coronel Antonio Felippe de Miranda. Eu José Teixeira da Silva Bittencourt, escrivão, o escrevi.

Verificando ser este Juizo incompetente para proceder no presente arbitramento anullo todo o processo de folhas 2 a folhas seguintes.

Sinopse do Documento

00:00 / 05:02

Autos de deposito e exhibição de peculio da escrava Benedicta de propriedade de Joaquim Gomes
Ano: 1884
Origem: Comarca de Bragança-PA
Partes envolvidas: Requerente: Escrava Benedicta
Proprietário: Joaquim Gomes

Escrivão: José Teixeira da Silva Bittencourt
Juiz: Antonio Felippe de Miranda (Juiz de Orphãos 1º Supplente em exercício)

Os “Autos de deposito e exhibição de peculio da escrava Benedicta de propriedade de Joaquim Gomes” iniciam-se em 1884. Em 16 de setembro do referido ano, Benedicta exibe, perante o Juízo de Orphãos da Comarca de Bragança-PA, a quantia de trezentos mil réis, destinada a indenizar seu proprietário Joaquim Gomes por sua liberdade.


Posteriormente o Juiz de Orphãos 1º Supplente em exercício, Tenente Coronel Antonio Felippe de Miranda, cita e nomeia como curador da escrava Joaquim José Ferreira Porto Junior. Tornando-o legalmente responsável por zelar pelos interesses da requerente enquanto o processo estivesse em tramitação. Conforme estabelecia o art. 84 do Decreto nº 5135 de 1872, uma audiência de acordo é marcada para o dia 18 de setembro de 1884, as 10 horas da manhã, no Paço municipal. Posteriormente esta é remarcada para o dia 23 do mesmo mês, pelo fato do dito senhor alegar estar passando por problemas de saúde.


A audiência, no entanto, não é capaz de sanar a querela entre as partes, visto que o curador de Joaquim Gomes, Antonio Marianno Marinho, alegava que a liberdade de Benedicta só poderia ser concedida mediante o pagamento da quantia de seiscentos mil réis. Após uma série de recursos e sendo agora Leôncio Francisco de Farias o curador legal da escrava, são indicados para atuarem como árbitros, no que dizia respeito ao estabelecimento de um valor  satisfatório pela alforria, Mariano da Costa Rodrigues, Pedro José Pereira e o Coronel José Caetano Pinheiro. Após a análise estes estipulam o valor da indenização em trezentos e cinquenta mil réis.


Diante disso, o magistrado ordena que a quantia de que Benedicta já dispunha fosse enviada a Joaquim Gomes, expedindo-se sua carta de alforria. Não aceitando a sentença, o proprietário, por meio do seu curador, encaminha apelação ao Juiz de Direito da Comarca, José Ignácio de Albuquerque Xavier. Este após avaliação dos argumentos apresentados pelas partes querelantes mantém a decisão do Juiz Municipal, mandando que a quantia indicada fosse paga. Em 18 de março de 1885 a carta de alforria de Benedicta é expedida.


Destarte, processos judiciais desta natureza, que remetem a ações de liberdade, fornecem vestígios das relações construídas e das estratégias de resistência intentadas por indivíduos submetidos ao regime de escravidão, na região que compunha a Comarca de Bragança-PA, uma das mais antigas do atual Estado do Pará. Esses registros, oriundos do Arquivo Histórico do Fórum da Comarca de Bragança-PA, são frutos de mecanismos legais criados a partir das leis emancipacionistas, promulgadas na segunda metade do século XIX, dos quais destacam-se a Lei Rio Branco de 1871, popularmente conhecida como “Lei do Ventre Livre”, e o Decreto 5135, que a regulamenta. Tais fontes são importantes testemunhos do processo de derrocada das centenárias estruturas escravistas, que por tanto tempo foram um dos pilares do Estado Brasileiro, bem como do protagonismo de homens e mulheres escravos e libertos, que na luta por seus “direitos”, valeram-se das lacunas abertas por um sistema em decadência para alcançar seu objetivo final.

Autoria da sinopse do documento:
Filipe de Sousa Miranda (Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências do Patrimônio Cultural - PPGPatri/UFPA) - filipesosusamyranda@gmail.com

Documento 02

Transcrição do Documento

[f.1]

1917
Comarca de Bragança
Estado do Pará
Tribunal Correcional


Escrivão Zacharias Ribeiro Corrêa


Autos crimmes de ferimentos leves
Autor: a Justiça Publica
Réu: Manoel João de Lima Cavalcante

Autoação

Aos cinco dias do mez de Novembro do anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil novecentos e dezessete nesta cidade de Bragança, Estado do Pará, em meu cartório autoei a dennuncia e documentos que se seguem. Eu Zacharias Ribeiro Corrêa, Escrivão o escrevi.

[f.2]

Ilustríssimo Senhor Doutor Juiz de Direito, Presidente do Tribunal Correcional Recebo a dennuncia. Passe-se contra as testemunhas, estas para deporem e aquelle para se vêr processar perante o Tribunal Correcional na sua próxima reunião, no dia 7 pelas 9 horas, com sciencia da Promotoria Publica. Bragança, 5 de Novembro de 1917. Fernando Cruz.


O promotor publico na forma da lei, vem perante vossa Senhora dennunciar de Manoel João de Lima Cavalcante, de 25 annos de idade, casado, brazileiro, lavrador e residente na villa de Quatipurú, d’esta comarca por haver em 27 de Setembro ultimo, cerca de cinco horas da tarde com uma faca feito o ferimento descripto no auto de corpo de delicto na pessôa de sua sogra Angela Maria Francisxa da Silva. O accusado não vivia bem com sua sogra, n’aquelle dia ao chegar de uma viagem entrou em discussão com a mãe de sua mulher, resulando sahir esta de pior partido, desrespeitada e offendida physicamente.


E como assim procedendo tenha commettido o crimme previsto no artigo 303 do codigo penal, offerece esta promotoria a presente dennuncia que espera recebida e afinal julgada provada para o fim de ser dito dennunciado punido n’aquelle dispositivo e no grao médio pela concorrencia das circunstancias aggravante
e atenuante respectivamente da superioridade em annos e embriaguez.


Requer-se a citação do dennunciado e testemunhas abaixo indicados, estas para deporem e aquele para se vêr processar.


Ról
Manoel Martins de Véra Cruz
Feliciano Muniz Pinheiro
Antonio do Rozario
(Todos residentes em Quatipurú)

[f.2v]

Bragança, 1 de Novembro de 1917
Raul da Costa Braga

[f.24]

Termo de inquirição de testemunha de accuzação

Aos dez dias do mez de Abril de mil novecentos e dezoito nesta cidade de Bragança Estado do Pará, na sala das sessões do Tribunal Correcional onde se achavam prezentes o Meritissimo Juiz de Direito da Comarca Doutor Manoel Maoja Netto, Prezidente, o membro Doutor Fernando da Cruz, Juiz Substituto, o adjunto do Promotor Publico Propercio Ferreira de Oliveira, na ausência do funcionario efetivo que se acha fora da comarca, commigo Escrivão abaixo nomeado, a revelia do réo procedeu-se a inquiriação deste summario pelo forma por que se seguir: Primeira testemunha Manoel Martins de Vera- Cruz, de sessente e seis annos de idade, viúvo, lavrador, rezidente na Villa de Quaty-purú, não sabendo ler nem escrever, aos costumes disse nada pelo que lhe foi deferida a affirmação legal sob a qual prometteu dizer a [p.24v] verdade do ques oubesse a lhe fosse perguntado. E sendo inquerido sobre os factos constantes da dennuncia de folhas duas disse que era vizinho do dennunciado e sabe que o mesmo vivia em constante desharmonia com a mulher e a sogra Aneglla Maria Francisca da Silva; que no dia em que se deu o facto narrado na dennuncia deste muito ceso começou elle a ter serias discussões em caza e a uma hora da tarde mais ou menos foi a rezidencia do depoente e ahi pedir emprestada uma espingarda com a qual dizia pretender atirar nos porcos que costumavam ir numa roça de sua sogra que [...] perto de sua caza; que no instante sabendo de sciencia própria que referida roça não havia mais couza alguma a aproveitar porque há mais de um mez havia tudo sido destruído pelos porcos, [...] que o dennunciado pediu a espingarda com intuito de matar sua mulher ou sua sogra, [...] por esse motivo em attender ao pedido feito pelo de[f.25]nnunciado perante quem desculpou-se dizendo que não tinha pólvora nem chummbo e nem espoletas, ao que o mesmo respondeu que tudo isso seria por elle adquirido em caza de José Balbino logo que estivesse de posse de espingarda que apezar disso não desse a espingarda ao accuzado, que sendo o cinturão do depoente em um canto da caza tirou-o do lugar onde estava levando –o consigo que mais tarde, pelas cinco e meia indo a caza de Miguel Moreira ahi ouviu um filho menor deste referiu o dennunciado [...] ordenado a sua mulher que armasse a sua bagagem porque tencionara-se para a caza do dennunciado indo procurar o cinturão; que ao chegar em caza do dennunciado antes de explicar o motivo de uma presença ali vio o dennunciado repentinamente agredir a própria sogra dando-lhe uma facada; que visto isso deu coz de prizão ao dennunciado dirigindo a mesma prizão de seu efectivar por ter elle evadido, sabendo ter [p. 25v] elle horas depois se aprezentado ao Subprefeito da Villa de Quaty-purú; que o dennunciado da-se ao vicio da embriague, mas nesse dia não se achava fora de seu Juizo. Dada a palavra ao reprezentante da Justiça nada requereu. Segunda testemunha. Feliciano Muniz Pinheiro, de vinte e cinco annos de idade, solteiro, lavrador, rezidente no municipio de Quaty-purú não sabendo ler nem escrever aos costumes disse nada pelo que lhe foi deferida a affirmação legal sob a qual prometteu dizer a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado. E sendo inquerida sobre a dennuncia de folhas duas que lhe foi lida disse que as cinco o as cinco e meia da tarde do dia em teve lugar o crimme narrada na dennuncia vio ao passar perto da caza do dennunciado arrastar a mulher deste para dentro da caza e mais tarde ouvio dizer que o mesmo dera uma facasa na sua sogra, ignorando porem a razão por que teve elle semelhante procedimento, nada de mais sabendo a respeito[...]

Sinopse do Documento

00:00 / 03:09

Autos crimes de ferimentos leves

 

Ano: 1917
Origem: Comarca de Bragança
Partes envolvidas: Autor: Justiça Pública

Réu: Manoel João De Lima Cavalcante

 


No ano de 1917 a Justiça Pública promoveu uma ação contra Manoel João de Lima Cavalcante, acusado de efetuar contra sua sogra Angela Maria Francisca da Silva um ferimento à faca no dia 27 de setembro do mesmo ano, na Vila de Quatipurú, onde residia.


A delegacia da Vila iniciou no dia 29 de setembro o auto de diligências policiais, no qual foi registrada a prisão em flagrante do denunciado. Para a averiguação dos fatos, vítima e testemunhas foram chamadas à depor e, um exame de corpo de delito foi solicitado a fim de materializar provas relativas ao suposto crime. Na oportunidade, os peritos, comprovaram a existência de um ferimento cuja gravidade traria, segundo eles, prejuízos para a vítima.


Esta, em seu depoimento relatou que no dia do ocorrido, tendo chegado em casa encontrou a filha chorando e ao perguntar-lhe o motivo, a mesma teria respondido que seu marido, Manoel João de Lima havia lhe agredido. Então, ao procurar o acusado, Angela Maria Francisca teria pedido a ele que tal fato não voltasse a se repetir. Ignorada pelo mesmo, ela o denunciou à polícia, a qual o liberou após uma conversa e a promessa de não reincidir no ato. No entanto, horas depois, o acusado acabou por ferir a sogra e ainda buscou fazer o mesmo com a esposa, que conseguiu fugir.


De acordo com os relatos de algumas testemunhas, Manoel João Lima Cavalcante vivia em contínua discórdia com sua mulher e sogra, num dia-a-dia marcado por conflitos e violências, que ora resultavam em ameaças e ofensas verbais, ora eram levados a efeito através da agressão física, tal como nas circunstâncias descritas nos autos.


Em 1 de maio de 1918 o Juiz Manoel Maroja Neto concluiu que o réu foi o responsável pela agressão contra Angela Maria Francisca da Silva, o condenando à 1 ano e 2 meses de prisão, enquadrado nos artigos 303 e
400 do Código Penal Brasileiro.

Autoria da sinopse do documento:

Jainara Priscila de Souza e Sousa (Graduanda do Curso de História/ UFPA - Campus de Bragança) -
priscila.souzaesousa@gmail.com

Documento 03

Transcrição do Documento

[f.1]

 

1919
Comarca de Bragança
Estado do Pará

 

Juizo Substituto

Escrivão
Zacharias Ribeiro Corrêa
Autos Crimes de defloramento

A A Justiça Pública
R Raymundo Gomes da Silva

Autuação

Aos vinte e tres dias do mez de Dezembro do anno de Nascimento de nosso Senhor Jesus Cristo de mil
novecentos e dezenove, nesta cidade de Bragança, Estado do Pará , em meo cartório autuei a dennuncia e
o documento que se seguem. Eu Zacharias Ribeiro Corrêa, escrivão o escrevi.

[f.2]


Ilustríssimo Senhor Supplente do Juiz Substituto da 2º circunscripção desta comarca em pleno exercicio do
cargo.


A conclusos
Bragança 23 de Dezembro de 1919
F.A. Pinto

O promotor publico na forma da Lei, vem perante Vossa Senhoria dennunciar a Raymundo Gomes da Silva, paraense, solteiro, lavrador, residente no logar “Freicheiro” deste Municipio como incurso no artigo 267 combinado com o inciso 1º do artigo 274 do Código Penal pelo facto delictuoso seguinte: O dennunciado conhecendo como honesta e virgem a menor Feliciana Paulina da Silveira, residente nos campos denominados “Tatú” em companhia de sua mãe Cordalina Conde de Santiago, pobre e sem recursos de qualquer espécie, seduzio-a com promessas de casamento, conseguindo deflora-la em o dia primeiro de Setembro deste anno nos mattos próximos da casa da victima. Realizados os seus intentos o dennunciado ainda teve relações casuaes com a ofendida na própria casa de residência de seu tio José Clemente da Silva, prometendo sempre reparar o mal que havia praticado.

[...]

[f.13]

Autos de corpo de delicto

Aos vinte dias do mez de dezembro de mil novecentos e desenove nesta cidade de Bragança, Estado do Pará, na sala das audiências as dez e meia horas da manhã presentes o Meritissimo Juiz Substituto primeiro Supplente em exercicio pleno cidadão Francisco Alves Pinto, comigo escrivão abaixo nomeado, aos peritos notificados Doutor Raymundo do Cardozo Athayde profissional e cidadão Francisco Paula dos Santos pratico de pharmacia ambos moradores nesta cidade e as testemunhas João Felippe Moreira e Antonio Pinheiro de Sá Barreto, moradores também nessa cidade, o Juiz deferio aos mesmos peritos a affirmação legal de bem efetivamente realizassem a sua missão, declarando a verdade o que descobrissem e mostrarem o que em sua consciência entenderem; encarregou-lhe em procederem o exame a pessoa da offendida Feliciana Paulina de Santiago e que respondessem aos quesitos seguintes: primeiro se houve defloramento; segundo qual o meio empregado; terceiro se houve copula carnal; quatro se houve violência para fins libidinosos; quatro quais deles sejam em consequências [...] as partes a fazer os exames einvestigações ordenados e os que julgassem necessários conclusos aos quaes declararam o seguinte que examinando a Feliciana [f.13v] Paulina da Silveira, aos desessete annos de idade, aproximadamente [...] moradora no lugar Tatú, campo de baixo, neste município, filha de Cordalina Couto Santiago, que se diz desvirginada, verificando perfeita conformação dos órgãos genitais [...] bem como sem [...]. A sua forma de [...] e fundida, achando-se os retalhos [...] em seus [...] e que portanto, respondem: ao 1º Sim há defloramento; 2º membro viril; 3º Sim; 4º provavelmente não; 5º Prejudicial. E são estas declarações que em sua consciência e debaixo da afirmação [...] tem a fazer. E por nada mais* deu-se por conclusos o exame ordenado e de tudo se lavrou o presente auto que vae por mim escripto, rubricado pelo juiz, peritos e testemunhas, como escrivão Francisco Dias de Miranda, que o fiz e escrevi e que de tudo dou fé. Eu
Francisco Dias de Miranda.


Francisco Alves Pinto
Raymundo Cardozo de Athayde
Francisco Pereira dos Santos
João Felippe Moreira
Antonio Pinheiro de Sá Barreto

[...]


[f.42]

Meritissimo Julgador

Não se verifica neste processo, prova de forma dos elementos que constituem o crime previsto no artigo 267 do Código Penal e no qual foi dennunciado o meu constituinte. A copula não se provou havido, mas provada que fosse, não foi feita o da virgindade da supposta offendida. Verifica-se alias do depoimento dos testes que a offendida a muito não era virgem, o que mais corrobora a forma de seu procedimento. Pois, não é coerente que uma mulher * procure encontra-se com um homem procurando-o como fazia a suposta virgem. A prova de idade, elemento principal no crime attribuido ao nosso constituinte, também não foi feita por qualquer meio admissível em direito [...] a da sedução ou fraude.


Para prova desse [...] digo, desse último elemento não se venha argumentos como o depoimento de vosso constituinte na policia feita. Essa peça dos autos foi alterada a [...] da autoridade policial. E alias comum essa facto na policia e é d’ahi que resultou não ter valor algum no direito confissão do réo feita na policia como [...] . mesmo que valor deixou essa confissão nada * contra nosso constituinte, pois, provado ficaria o ultimo elemento dos quatro que constituem o crime do artigo 267 do Código Penal.

Dahi meritíssimo juiz esperamos que seja o réo impronunciado por ser isto da melhor Justiça.


Bragança 09 de julho de 1921
Augusto Pereira Corrêa

Concluzão

No mesmo dia mez e anno supra declarados faço estes autos concluzos ao Meritissimo Juiz Substituto da Comarca doutor Fernando Ferreira da Cruz. José Eduardo da Silva, escrivão interino o escrevi.

Subam em conclusão ao Excelentissimo Doutor Juiz de Direito [...].

Sinopse do Documento

00:00 / 03:24

Autos Crimes de Defloramento
Ano: 1919
Origem: Comarca de Bragança
Partes envolvidas: Réu: Raymundo Gomes da Silva; Vitima: Feliciana Paulina da Silveira


O referido auto, teve início em 1919, quando o denunciado Raymundo Gomes da Silva, paraense de 21 anos, solteiro, lavrador e morador da localidade “Freicheiro”, foi acusado de ter cometido crime de defloramento contra Feliciana Paulina da Silveira, solteira de 17 anos, auxiliar de serviços domésticos e residente nos campos do “Tatu”, na cidade de Bragança. O réu teria usado de sedução e de falsas promessas a fim de conseguir praticar relações sexuais com a dita “ofendida”. Tendo, portanto, consumado o ato no primeiro dia de setembro do ano mencionado, em um lugar próximo à casa da mãe de Paulina. Sob promessas de casamento, o acusado teria assegurado à vítima, a reparação do ocorrido e, garantido assim, conforme o depoimento da mesma, a pratica da cópula pela segunda vez. Agora, na casa do tio do acusado.


No decorrer do processo, Raymundo Gomes da Silva que fora indiciado em conformidade com o artigo 267, combinado com o inciso 1° do artigo 274 do Código Penal Brasileiro de 1890, alega em seus depoimentos que manteve relações sexuais com a vítima, porém, que na ocasião, a mesma não era mais virgem. Fato este, que teria levado o denunciado a desistir da proposta de casamento. Posteriormente, o exame de corpo de delito realizado em Feliciana Paulina comprovou que de fato houve o defloramento, sendo este capaz de trazer consequências não só física, mas também morais para a vítima. Considerando o comprometimento de uma eventual idoneidade de sua imagem perante a sociedade, tendo em vista os parâmetros ideais de comportamento moral e sexual, impostos às mulheres naquele período. Diante disso, o magistrado conclui que não havia elementos que constituíssem o crime do qual Raymundo Gomes de Silva fora indiciado.


Assim, no conjunto dos autos, o exame de corpo de delito, acaba por corroborar os discursos também propagados pelas testemunhas de defesa, que em sua maioria ressaltam em seus depoimentos uma suposta “boa” conduta do réu em detrimento daquela atribuída à vítima, visto que esta, supostamente, caminhara na contramão dos padrões morais “aceitos” naquela sociedade.


Por outro lado, é importante ressaltar que encontramos nesses casos, mulheres que mais do simples desviantes dos padrões de comportamento feminino, ousaram, de alguma forma transgredir as regras impostas e a moral estabelecida na época, que pretendiam relega-las a uma posição de inferioridade e submissão.

Autoria da sinopse do documento:
Illa Maria da Silva Miranda (Graduanda do Curso de História UFPA-campus de Bragança) - illamiranda91@gmail.com

Documento 04

Transcrição do Documento

[f.1]

Governo do Estado do Pará
Secretaria de Estado de Segurança Pública
Delegacia de Policia de Ourém

Ano 1969

Autos de inquérito policial, instauraudo nesta Delegacia de Policia, acerca de crime de lezão corporal, em que foi vitima Vicente Lemos da Silva, e / acusado Waldomiro Fernandes da Costa.

(Autuação)

Aos dois dias do mez de Janeiro do ano de mil novisentos e sesenta e nove, nesta cidade de Ourem do Estado do Pará, e na Delegacia de Policia, local, autuei a portaria e demais peças que adiante se ve, do que para constar/ lavrei este termo eu, José Olavo Amorim escrivao o datilografei.


Waldemar Macelino de Castro
Delegado de Policia Civil

[f.3]

(Termo de declaração prestada pela vitima, Vicente Lemos da Silva)
(Aos (2) dias do Mez de Janeiro do ano de (1969), nesta cidade de Ourem, do Estado do Pará, e na Delegacia de policia, local, ai presente o Sr, Waldemar Macelino de Castro, Delegado de Policia deste Municipio, comigo escrivão de seu cargo, ao final declarado compareceu o Sr. Vicente Lemos da Silva, mais conhecido por Vicente Carvoeiro, Cearense, casado, Lavrador, Analfabeto, Com (53) anos de idade, rezidente Nesta cidade, o qual declarou que: na noite do dia (31) do Mez de Dezembro, por findo, se lembra ainda que entrou na residencia Comercial do Sr. Duca Sousa, Nesta Cidade, para tomar berita, já estava bastante alcoólisado, não se lembra de nada, e / se lembra bem que viu o sr Inacio Costa, tomando umas bebidas juntamente com outras pessoas, e depois do caso passado, foi que algumas pessoas lhe disse que quem tinha lhe espancado era o sr. Inácio Costa, mais o declarado não sabe o motivo qual foi, E como/ nada mais disse e nem lhe foi perguntado, mandou a autoridade encerrar este Termo que/ depois de lido e achado conforme assina arrogo do declarante por o mesmo ser Analfabeto e sr. Antonio Pereira Mano, Eu José Olavo Amorim Escrivao e datilografei e subscreve-me ao final .
Delegado Waldemar Marcelino de Castro
Argo de Vicente Lemos da Silva
Antonio Pereira Mano
Escrivão José Olavo Amorim

[f.05]

Auto de Exame de Corpo de Delito

Aos dois dias do mez de Janeiro do ano de mil novecentos e cessenta e nove, nesta cidade de Ourém no Estado do Pará, na Delegacia de Polícia local, presente o senhor WALDEMAR MARCELINO DE CASTRO, Delegado de Polícia e Escrivão de seu cargo, senhor JOSÉ OLAVO AMORIM, foi designado o perito RUBEM NORBERTO SOARES, para proceder o exame de corpo de delito, na pessoa de VICENTE LEMOS DA SILVA, cearense, branco, casado, analfabeto, lavrador, de cincoenta e treis anos de idade, residente nesta cidade, denominado BOM AMPARO, descrevendo com verdade e com todas as circunstancias, o que descobrir, encontrar e observar e bem assim de responder aos quesitos seguintes:


PRIMEIRO – Houve ofença á integridade corporal e á saúde da paciente?
SEGUNDO – Qual o instrumento ou meio que produsiu a ofença?
TERÇEIRO – a ofença foi produsida por meio de veneno, fogo, explosivo, asfixia, ou outro meio insidiosos ou cruel?

QUARTO – Da ofença resultou perigo comum?
QUINTO – Da ofença resultou incapacidade para as operações ábituais, por mais de trinta dias?
SEXTO – Da ofença resultou debilidade permanente, de membro sentido ou função, incapacidade permanente para o trabalho, infermidade incurável, perda ou inutilização de membro, sentido ou função, ou deformidade permanente?


Em consequencia, passou o perito, a fazer o exame ordenado e investigações que julgou necessária, findas as quais, declarou:
Procedí hoje as nove horas, o exame de lesão corporal, na pessoa de VICENTE LEMOS DA SILVA, de identidade acima mencionada, e pelo exame verifiquei que o paciente apresentou-se disendo sentir fortes dores de cabeça, com grande ematoma na região orbitaria esquerda, abrangendo a área superciliar, pálpebras superior e inferior, com manchas arrocheadas e a coagulação sanguinea eselerotica [...] ainda manchas arrocheadas e contusão na região molar esquerda, com escarros de sangue, disendo impossibilita-lo dos movimentos do maxilar aparentando ter sido ocasionado por agressão física, (baque), e aos quesitos passo a responder o seguinte:
Ao primeiro, sim; Ao segundo, instrumento contundente; ao terceiro, prejudicado; ao quarto, não; ao quinto, não e ao sexto, não.

E por nada mais haver, deu-se por findo o exame ordenado, e mandou a autoridade lavrar este auto, que lido e achado, conforme, assina com o perito e comigo, escrivão, de que dou fé. Eu, José Olavo Amorim, escrivão o escrevi.


Waldemar Marcelino de Castro – Delegado de Polícia
Ruben Norberto Soares – Perito
José Olavo Amorim – Escrivão

Sinopse do Documento

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Autos crimes de ferimentos leves
Ano:1969
Origem: Comarca de Ourém
Partes envolvidas: Justiça Pública

Réu: Waldomiro Fernandes da Costa


No ano de 1969, a Justiça Pública do Pará promoveu uma ação contra Waldomiro Fernandesda Costa, na qual o mesmo foi acusado por lesão corporal contra o Sr. Vicente Lemos da Silva, na Cidade de Ourém, o crime teria ocorrido na noite do dia 31 de Dezembro, do ano anterior, em uma residência comercial localizada na Praça Magalhães Barata.


A delegacia da cidade iniciou no dia 02 de Janeiro o auto de diligências policiais, no qual foi registrado a agressão física contra o Sr. Vicente Lemos da Silva. Na ocasião, o mesmo foi encaminhado para o exame de corpo de delito, através do qual ficou comprovado a existência de vários hematomas pelo corpo da vítima. Configurando crime de lesão corporal, encontrando-se, a vítima, prejudicada em sua integridade física.


Posteriormente, foi requerido em 27 de fevereiro, ainda do mesmo ano, o arquivamento dos autos de inquéritos policiais à Exc. Juiza de Direito da comarca de Ourém pelo escrivão de polícia, posto que os autos dos depoimentos da vitíma e do acusado, juntamente com os relatos das testemunhas oculares apontavam para uma contradição entre os fatos narrados. A vítima havia relatado que na noite do ocorrido, ela havia se dirigido até a residência comercial para comprar uma “birita”, e que já se encontrava bastante alcoolizado e que não lembrava de nada, nem mesmo das acusações e agressões verbais que fez ao Sr Waldomiro F. da Costa, o que resultou na agressão física, que segundo Waldomiro e quatro testemunhas, foi apenas um empurrão.


Dado isto, o Órgão do Ministério Público, opinou pelo arquivamento do processo, pois ao analisar o que estava disposto nos autos, não possuia elementos suficientes contra o acusado, diante das contradições existentes nos inquéritos policiais, mencionados anteriormente. Por outro lado, o exame do corpo de delito constata a lesão corporal sofrida pela vítima, com grande hematoma orbitário esquerdo, pálpebras superiores e inferiores e arco superciliar. Porém, a própria vítima não dá orientações suficientes ao M. Público para oferecer denúncia, sabendo que no relato para a polícia declarou não se recordar do fato.


Então, o Ministério Público, cabendo-lhe atribuiu o artigo 28 do Código Processual Penal Brasileiro, que requer o arquivamento do inquérito policial ou de qualquer peça de informação.

A Justiça Pública contestou a legalidade do laudo de exames, por não ter sido feito dentro das cláusulas legais, pois precisaria ser procedido por dois peritos, segundo o artigo 159 § 1 do Código Processual Penal. Concluindo nenhum efeito legal.


Dado o exposto, em 18 de março a Dra Juiza de Direito da Comarca de Ourém, declara-se convencida pela alegação do Ministério Público deferindo o arquivamento do processo.


Este processo revela como se dava os trâmites legais dos conflitos das relações sociais, ao que refere-se os autos de ferimentos leves, em que a legalidade nem sempre é sinônimo de Justiça.

Autoria da sinopse do documento:
Raiana Jaine da Silveira Sousa (Graduanda do Curso de História/UFPA-Campus de Capanema)– rrsilveira95@gmail.com

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