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SALA 03 - Escravidão, Liberdade, Cotidiano e Resistências no interior da Amazônia

00:00 / 04:04

Coordenação: Profª. Drª.  Maria Roseane Corrêa Pinto Lima – FAHIST/UFPA-Bragança

Equipe de pesquisa: Carlos Denizar de Souza Machado, Leiliane dos Santos Bulhões de Sousa, Daniel Xavier da Fonseca, Wesley David Silva do Nascimento, João Victor Conde Tovane.

Seja bem-vind@!


Nesta sala nos reunimos para socializar pesquisas que vêm sendo realizadas na Universidade Federal do Pará sobre histórias de escravidão, liberdade, cotidiano e resistências que envolveram populações negras na região bragantina. Nos acervos históricos de arquivos do Estado consultamos documentos manuscritos e impressos que se encontram sob a guarda do Arquivo Público do Estado do Pará, da Biblioteca Pública Arthur Vianna, da Diocese de Bragança e do Arquivo do Fórum da Comarca de Bragança.


O conjunto documental aqui apresentado refere ao século XIX e abarca temas que vêm coletivamente sendo revisitados e aprofundados pela historiografia sobre a região amazônica, envolvendo múltiplos cenários, sujeitos e tramas, sobretudo no campo da história social. Nas fronteiras entre o Grão- Pará e o Maranhão, pelos rios, caminhos e estradas que ligavam Turiaçu, Bragança, Ourém, Vizeu e Belém, entre lugares, vilas e cidades, encontramos negros, indígenas, brancos, escravizados, livres e libertos, tanto nos eventos da Cabanagem que se espraiava pelo interior, quanto na condução do regime escravista, no crescimento do movimento abolicionista, que também se interiorizava, e nas cenas do cotidiano, entre celebrações e infortúnios, entre o rural e o urbano.


Do Arquivo Público do Estado do Pará, trouxemos cartas trocadas pelas autoridades da província do Grão-Pará no contexto da Cabanagem, no momento que grupos de cabanos que contavam com a participação de indígenas e negros, inclusive muitos escravizados, desafiavam as tropas e levavam o medo para ricos proprietários de terras e escravos entre Bragança e Ourém, sob a liderança de Agostinho Moreira. Da Biblioteca Pública Arthur Vianna, os jornais paraenses do período final da escravidão são aqui apresentados para demonstrar aspectos do movimento abolicionista, entre Belém e Bragança, entre discursos e práticas sobre escravidão e liberdade, sobre abolição e modernidade, revelados em Bragança e seus arredores nas rememorações da redenção dos escravos no Ceará e nos planos e celebrações pela chegada da via férrea com alforria de escravizados. Do acervo da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, da Diocese de Bragança, o registro do matrimônio de um casal de negros escravizados nos remete à formação de famílias no cotidiano sob a escravidão, entre as bênçãos da Igreja e os interesses do Estado e dos próprios senhores de escravos. Finalmente, do Arquivo do Fórum da Comarca de Bragança nos debruçamos sobre um crime ocorrido na área rural de Bragança, envolvendo uma família de lavradores e um grupo de pajés, suas práticas de adivinhações e relatos sobre olhos d’água místicos e gentes do fundo, reveladores da religiosidade em face das descrenças das autoridades judiciais.


Consulte os documentos aqui apresentados e transcritos, aprecie a apresentação deste grupo de pesquisadores e comente os temas deste eixo de nossa exposição virtual.

 
Obrigada por sua presença!

Referências 

BARROSO, Daniel. Casamento e Compadrio em Belém nos Meados dos Oitocentos. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-graduação em História. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Pará, Belém, 2012.


BEZERRA NETO, José Maia. Por Todos os Meios Legítimos e Legais: as lutas contra a escravidão e os limites da abolição (Brasil, Grão-Pará: 1850-1888). 2009. 485 f. Tese. (Doutorado) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2009.


CAMPOS, Adriana Pereira; MERLO, Patrícia M. da Silva. Sob as bênçãos da Igreja: o casamento de escravos na legislação brasileira. TOPOI. Rio de Janeiro, v. 6, n. 11, p.327-361, jul./dez. 2005.


CASTRO, Edna. Escravos e Senhores de Bragança. (Documentos históricos do século XIX, região Bragantina, Pará). Belém: NAEA, 2006.
FARGE, Arlette. O sabor do arquivo. Tradução de Fatima Murad. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009.


FONSECA, Daniel Xavier da. Vestígios do passado: pajelança e feitiçaria no acervo do Poder Judiciário de Bragança, Pará (1888 a 1925). 84f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em História), Universidade Federal do Pará, Bragança, 2018.


LIMA, Ana Renata do Rosário de. Cabanagem: uma Revolta Camponesa no Acará. Belém: Prefeitura Municipal de Belém, 2004.

OLIVEIRA, Lúcia de Fátima. A vila de Bragança, rios e caminhos: 1750-1753. Revista Mosaico. Goiânia, v.1, n.2, p.188-197, jul./dez., 2008.


RICCI, Magda. Um morto, muitas mortes: a imolação de Lobo de Souza e as narrativas da eclosão cabana. In: NEVES, Fernando Arthur de Freitas; LIMA, Maria Roseane Pinto (org.). Faces da história da Amazônia. Belém: Paka-Tatu, 2006, 519-544.


SALLES, Vicente. O Negro no Pará: sob o regime da escravidão. Rio de Janeiro. Fundação Getúlio Vargas; Belém: Universidade Federal do Pará, 1971.


SANTOS, Leiliane Tavares dos. Negros, trabalho e modernização: visões sobre os negros no Pará de 1880- 1889. 52f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em História), Universidade Federal do Pará, Bragança, 2013.


SOUZA MACHADO, Carlos Denizar. Festejos do Abolicionismo: Tecendo memórias e representações da liberdade em Belém (1881-1888). Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-graduação em História. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Pará, Belém, 2019.

DOCUMENTOS

Documento 01

Transcrição do Documento

Arquivo Público do Estado do Pará
Secretaria de Segurança da Província do Pará
Códice 905, Correspondência de Diversos
Documento 89, Páginas 1, 2, 3, 4, 5 e 6, ano de 1836, manuscrito.


[Página 1]


Em 28 de Maio tive a honra participar a V. Exª que nesse mesmo dia partia do Turiassú com a força de 1ª Linha do Seará sob meo commd o [comando] como assim sucedeo. Em 4 do corr. e [corrente] a Povoação de Vizêo, a onde me demorei até o dia 9 a espera dos lansantes, e nesse mesmo dia partí para a Villa de Bragansa, deixando em Vizêo a Escuna D. [Dona] Fran. ca [Francisca] e 60 paisanos guarnecendo aquelle ponto até que venha para ali o Cuter de Guerra Bom-Fim q. ~ [que] se axa no Turia-assú, e logo que ele ali chegue seguirá dita Escuna para Bragansa, onde cheguei a 14 pelas seis da manhã, e constando-me que Agostinho Moreira se achava ainda reunido com os rebeldes na sua morada de Moraré; fiz todas as deligencias para seguir p. a [para] esta V. a [villa] no dia seguinte porém não me foi possível conseguir, já por me faltar mantimentos para a tropa, já por não haver embarcação pe-


[Página 2]


pequenas para a conducção de algumas monições; tratei de remediar todas estas faltas, que só no dia 18 pude fazer seguir quatro canoas com monições, far. a [farinha], e 30 praças e deixando Bragança bem guarnecida; parti no dia 20 pelas cinco horas da manhã p. a [para] esta V. a [vila] com 70 paisanos toda esta força comporta de tropa do Seará e da de Pern. co [Pernambuco] sob o comando do Tenente Antônio Fris. ~ [Francisco] de Andrade que não exitou em me coadjuvar, marchando comigo, e a três oras que cheguei a esta Villa com toda a força sem encontrar novidade alguma na m. a [minha] marcha.


Agora me communica o Comm. de [Comandante] da força q. ~ [que] a qui se achava o Capitão José Francisco da Cunha, q. ~ [que] Agostinho Moreira, havia fugido no dia 9 do corr. e [corrente] e que se desia procurar as cabeceiras do Rio Capim e que tendo mandado sobre ele huma partida de 50 homens


[Página 3]

homens esta voltava hontem por falta de mantimentos encontrando o caminho por onde passava o (sic) Agostinho com os rebeldes q. ~ [que] o acompanhão; diz me mais o mesmo Capitão q. ~ [que] o Tenente Manoel Manso Metélo Manito morador no Rio Capim seguira com hua. ~ [huma] força do lugar Urucuriteua a ver se conseguia tomar a frente do malvado Agostinho afim de poder capturar; eu pretendo fazer seguir a manhã uma força sobre elle, e do resultado darei parte a Vª Excª; porém julgo nenhum proveito colherá com rasão do grande  avanso de dias que já levo. Se Vª Exª julgar acertado fazer expedir algua. ~ [alguma] força por esse lado, tal vez tive algum fruto.


Hum homem que aqui se apresentou a dias e q. ~ [que] andava em companhia de Agostinho, diz-me que fugira delle no dia 10 do corr. e [corrente] e que (...) o axava no lugar Jauariteua e q. ~ [que] o seo des-


[Página 4]


destino era procurar os gentios , e afiansa-me dito homem que elle Agostinho levava em sua comp. a [companhia] pouca gente armada, e o a companharão dez- eseis escravos, conduzindo, talves o mais precioso q. ~ [que] roubava, e também acompanhava o pai mãi e mulher.


Com bastante pesar communico a V. Exª que foi assassinado pelos rebeldes no dia 27 de Maio o Capitão Tenente Luiz Sabino, no lugar do Pritoró, seguindo de Bragansa p. [por] aqui com cento e 60 paisanos, e adiantando-se ele com seis homens, uma guerrilha dos rebeldes lhe fiserão fogo, caindo logo mortos dous e o [sic] Capitão Tenente ferido e o acabarão de matar a cutiladas; sahirão mais dous feridos que escaparão e um que não foi ferido também escapou.


Tenho a honra de acusar recebido o Off. o [ofício] de V. Exª datado em 27 de Abril, a com-

 

[Página 5]


companhado da nomeação de V Ex.ª se dignou-me de conferir de Comm. de [comandante] Ml. a [militar] desta Villa e da de Bragansa, e Turi-assú, pelo q. ~ [que] beijo as mãos de V. Exª; assim como as instruções pelas quaes me devo reger no [sic] Comando , e a ordem do dia 27 também daquele mês q. tudo foi por mim recebido em 12 do corr. e [corrente] na Bahia do Cajueiro em Cam. o [caminho] de Visêo p. [para] Bragansa, e a tudo quanto V. Exª me ordena cumprirei fielmente. Pretendo brevemente partir para Bragansa, deixando ficar aqui 1 official com 30 praças do Seará e 50 paisanos daquela V. a e logo que chegue a ella faço seguir para Vigia o Tenente Antonio Fris. ~ [Francisco] de Andrade com a (...) Comm. do da forma que V. Exª m (...)


O Official que deixei na Villa (...)


conduzir o (...)


para o pagamento da (...)


[Página 6]


chegado, tendo por esta falta, estado a mesma tropa sem os seos pagamentos, e não obstante as ordens de V. Exª em q. ~ me manda fazer com que os colectores sejão prontos em cobrar os rendim. tos [rendimentos] da Nação, nada se tem podido conseguir porque me diz o de Bragansa q. ~ pouco tem cobrado e que muito menos tem a cobrar ; a vista pois de circusntansias taes, tinha a pedir a V. Exª q. ~ se sirva aplicar um remedio para que seja livre da penúria que a tempos (sic) a tropa do meo Comm.

 

Deos Guarde a V. Ex. a m. s . a. s Quartel do Commando Militar na V. a de Ourém em 22 de Junho de 1836.

Illmo. Exmo. Sr. Brigadeiro Francisco José de Souza Soares d’Andréa, Presidente, e Commandante das Armas desta Província.

Francisco Xavier Torres
Major e Commandante Militar

Autoria da transcrição do documento: 

Wesley David Silva do Nascimento - Graduando do Curso de Licenciatura em História, da Faculdade de História do Campus de Bragança da Universidade Federal do Pará. Email: wesleydavid.wd94@gmail.com


Observação: Parte do final desse documento está deteriorada.

Sinopse do Documento

00:00 / 02:51

Correspondência do Major Francisco Xavier Torres (Quartel do Comando Militar na Vila de Ourém) ao
Brigadeiro Francisco José de Souza Soares d’Andréa (Presidente e Comandante das Armas do Grão-Pará).

 

Ano: 1936
Origem: Arquivo Público do Estado do Pará, Secretaria de Segurança da Província do Pará, Códice 905, Correspondência de Diversos, Documento 89, manuscrito.
Sujeitos Envolvidos: Francisco Xavier Torres (Major e Comandante Militar no Quartel da Vila de Ourém); Brigadeiro Francisco José de Souza Soares d’Andréa (Presidente e Comandante das Armas do Grão-Pará); Agostinho de Souza Moreira (líder dos cabanos); Luiz Sabino (Capitão Tenente).

O documento 89 nos remonta ao contexto histórico de expansão da Cabanagem em direção aos interiores da Província do Grão-Pará e as investidas das tropas legalistas em debelar os cabanos e restaurar a ordem nesses locais. Ao expulsar os cabanos de Belém em 13 de maio de 1836, e assumir a presidência da Província do Grão-Pará, o Brigadeiro Francisco José de Souza Soares d’Andréa organizou uma retomada da legalidade, a partir da divisão da província em nove comandos militares.


Na presente correspondência, datada de 22 de junho de 1836, é apresentada a situação das tropas do Comando Militar de Bragança, parte delas vindas do Ceará e de Pernambuco, que atuavam nas áreas de Bragança, Ourém, Turiaçu e Viseu, sob a responsabilidade do Major Francisco Xavier Torres. Em missão na Vila de Ourém, o Major Torres escreve a Soares d’Andréa relatando as dificuldades enfrentadas pelas tropas nas investidas contra os cabanos nas vilas. Foram listadas a falta de munições, de mantimentos, problemas de soldo e de embarcações de pequeno porte que possibilitassem a condução desses elementos.


O documento também destaca as buscas por informações sobre Agostinho de Souza Moreira, líder dos cabanos em Ourém, que era bastante temido na região por organizar com seus comandados assaltos, conflitos e assassinatos que agitaram a região.

Algumas das informações dão conta de que Moreira estaria se reunindo com os cabanos em sua morada em Moraré, porém a falta de mantimentos para a tropa impediu que ela fosse conter esses sujeitos. O Major Torres também destaca a presença de um homem que havia fugido de Agostinho e se apresentou no quartel em Ourém, informando que o comandante cabano andava à procura dos gentios, levando pouca gente armada, incluindo parentes e 16 escravos que o acompanhavam.

 

Em outro trecho do documento, é relatada a morte do Capitão Tenente Luís Sabino, no lugar Pritoró (Peritoró), próximo a Bragança, durante uma das expedições das tropas legais, no dia 27 de maio, um mês antes da correspondência. Ele seguia comandando uma tropa de 160 paisanos, quando foi surpreendido por uma guerrilha de cabanos que alvejaram o tenente de tiros e depois o mataram a cutiladas.


A morte do Tenente Sabino é um exemplo bem característico do significado da morte para os cabanos, que seguiam uma antiga tradição do castigo como punição, bastante presente nas camadas mais simples da população amazônica. São comuns relatos de castigo em que há mutilação do corpo, que levava o castigado a ter uma morte lenta e dolorosa.

Autoria da sinopse do documento: 
Wesley David Silva do Nascimento (graduando do Curso de Licenciatura em História, da Faculdade de História do Campus de Bragança da Universidade Federal do Pará. Email: wesleydavid.wd94@gmail.com)

Revisão:Maria Roseane Corrêa Pinto Lima - Doutora em História, professora da Faculdade de História do Campus de Bragança da Universidade Federal do Pará, coordenadora do Laboratório de História e Patrimônio Cultural na Amazônia, membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Interculturais Pará-Maranhão. Email: roseanepinto@ufpa.br

Documento 02

Transcrição do Documento

Arquivo Público do Estado do Pará
Secretaria de Segurança da Província do Pará
Códice 905, Correspondência de Diversos
Documento 100, Páginas 1, 2 e 3, ano de 1836, manuscrito.

 


[Página 1]


Emitido 8 d’Agosto


Ill. mo Ex. mo Señr.


João Francisco Ribeiro, de idade de mais de oitenta anos, foi assassinado na Villa de Ourém em Fevereiro deste anno, por mandado do malvado Agostinho de Souza Moreira, e roubado pelo mesmo; era um dos maiores proprietários daquella Villa possuía perto de cem escravos entre grandes e pequenos, huma morada de casas na dita Villa, hum Engenho com casa de telha, e mais outra casa também de telha, com forno de fazer farinha, Cafezal e rossa, e mais algumas terras, tudo isto huã légua distante d’Ourém: tem mais huã casa de telha nesta Villa de Bragança, e huã grande Fazenda de gado vacum, e cavalar, distante dáqui duas léguas, e apesar dos salteadores terem roubado para mais de 500 rezes, com tudo consta-me existir ainda algum gado vacum e cavalar; possue mais nessa Cidade duas moradas de casas, huã na Rua do Assougue, e outra na Travessa das Mercês consignas a Jeronimo do Porto. Quando fui a Ourém foi remetido ao Juiz de Paz da li pelo Capitão Tenente Francisco de


[Página 2]


de Paula Ozório o Testamento que havia feito o finado João Francisco, o qual foi achado aberto nos papeis d’Agostinho Moreira, e pedi a aquelle Juiz de Paz me entregasse huã copia autentica do dito Testamento para eu a remeter a V. Exª o que faço nesta occasião. Encontrei em Ourém quaze todos os escravos do dito João Francisco mortos a fome; immediatamente fiz vêr ao Juiz d’Orfãos ordenasse ao 1° Testamento que mandasse todos os escravos para o Engenho, afim de se sustentarem do que ali ainda existisse, para não perecerem. Consta-me que o mensionado João Francisco Ribeiro estava já demente desde o comesso da revolução na Capital desta Provinsia, e como elle não tenha herdeiros pois três sobrinhos que estavão em sua Companhia forão barbaramente assassinados pelos salteadores, e o testamento foi feito quando elle já se achava demente, como todos ali me afirmarão; levo este negocio aprezença de V. Exª. para resolver o q. ~ entender, pois me parece que será a beneficio da Nação.


[Página 3]


Deos Guarde V. Exª. muito amor.


Quartel do Commando Militar na Villa de Bragança em 20 de Julho de 1836.


Exmo. Senhor Brigadeiro Francisco José de Souza Soares d’Andréa. Presidente, e Comandante das Armas desta Provinsia.

Francisco Xavier Torres
Major Commandante Milita

Autoria da transcrição do documento:
Wesley David Silva do Nascimento - Graduando do Curso de Licenciatura em História, da Faculdade de História do Campus de Bragança da Universidade Federal do Pará. Email: wesleydavid.wd94@gmail.com

Sinopse do Documento

00:00 / 02:51

Correspondência do Major Francisco Xavier Torres (Quartel do Comando Militar na Vila de Ourém) ao
Brigadeiro Francisco José de Souza Soares d’Andréa (Presidente e Comandante das Armas do Grão-Pará).

 

Ano: 1836
Origem: Arquivo Público do Estado do Pará, Secretaria de Segurança da Província do Pará, Códice 905, Correspondência de Diversos, Documento 100, manuscrito.
Sujeitos envolvidos: Francisco Xavier Torres (Major e Comandante Militar no Quartel da Vila de Ourém); Brigadeiro Francisco José de Souza Soares d’Andréa (Presidente e Comandante das Armas do Grão-Pará); Agostinho de Souza Moreira (líder dos cabanos); João Francisco Ribeiro (fazendeiro e senhor escravos).


No documento 100, podemos perceber outro caso de assassinato ocorrido durante a Cabanagem em Ourém, sob as ordens de Agostinho Moreira. Na correspondência, datada de 20 de julho de 1836, o Major Torres informa ao Presidente Soares d’Andréa sobre o assassinato de João Francisco Ribeiro, que tinha mais de 80 anos, e seus três sobrinhos, ocorridos em Ourém, em fevereiro do mesmo ano. João Francisco Ribeiro é retratado como um senhor de idade avançada e um grande proprietário de terras, casas, gado vacum e cavalar, engenho e cerca de 100 escravos em Ourém e em Bragança. O comandante Torres informa que os únicos herdeiros do falecido eram os sobrinhos, ao quais também foram assassinados pelos cabanos. A carta menciona o testamento e os bens de João Francisco Ribeiro, os quais, na falta de herdeiro do fazendeiro, ficariam ao cargo do interesse da Nação. Já sobre o destino dos escravos, que segundo o relato do comandante Torres, estavam “mortos a fome”, ficou a cargo do Juízo de Órfãos destiná-los ao engenho para que pudessem se sustentarem e não perecerem de fome.


Os cabanos alvejavam as fazendas e engenhos, com ousadia. A condição social e econômica de João Francisco Ribeiro é algo a se destacar, pois se tratava de alguém abastado e conhecido, com propriedades em Ourém e Bragança. O fato dele ter sido assassinado pelos cabanos, sem consideração à sua idade avançada e sendo alguém de elevado status na sociedade, revelava o impacto das ações do movimento cabano pelo interior da Amazônia, no contexto em que a capital da província já tinha sido tomada e a volta à ordem e à legalidade no Grão-Pará ainda eram um grande desafio para as tropas e seus comandantes. Os assassinatos e outros delitos cometidos pelos cabanos impunham o medo e desafiavam as autoridades, porém não se tratavam de ações ou atitudes sem justificativas e sentidos, estavam longe de ser apenas frutos do vandalismo e da barbárie de “malvados”, como são apresentados nos documentos da época. Elas nos revelam uma forma de responder ao histórico de opressão praticado por brancos, portugueses, de condições sociais mais elevadas, sobre os mais pobres, especificamente os negros escravizados, os indígenas e seus descendentes.


Sob o comando de Agostinho de Souza Moreira, os cabanos travaram muitos embates na região de Ourém. Moreira já era bastante conhecido e temido por muitas pessoas da região. Os delitos cometidos pelo comandante cabano e seus seguidores provocaram uma grande caçada nas redondezas pelas tropas legais que tentavam capturá-los a todo custo. Até serem alcançados, os cabanos seguiam escapando pelas matas e cabeceiras do rio Guamá.

Autoria da sinopse do documento: 

Wesley David Silva do Nascimento (graduando do Curso de Licenciatura em História, da Faculdade de História do Campus de Bragança da Universidade Federal do Pará. Email: wesleydavid.wd94@gmail.com)

Revisão: Maria Roseane Corrêa Pinto Lima - Doutora em História, professora da Faculdade de História do Campus de Bragança da Universidade Federal do Pará, coordenadora do Laboratório de História e Patrimônio Cultural na Amazônia, membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Interculturais Pará-Maranhão. Email: roseanepinto@ufpa.br

Documento 03

Transcrição do Documento

Diocese de Bragança
Secretaria da Paróquia Nossa Senhora do Rosário
Registros de Casamentos da Paróquia Nossa Senhora do Rosário
Livro 2 (1869-1880), Página 21, Registro de Casamento dos escravos Jose Raimundo e Maria Joaquina de
Jesus, Bragança, Ano de 1870, Manuscrito.

 

Aos seis dias do mês de Junho do ano de mil oitocentos e sententa, nesta igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosario da Cidade de Bragança, depois de despensados dos impedimentos de primeiro e segundo grão de affinidade ilicita na linha transversal, por provisão do Governador do Bispado, o Reverendo Arcedeago Doutor Jose Gregorio Coelho, em vinte e dous de Abril do constante anno, e tãobem despensados dos proclames, por authorisação que tenho do Senhor Bispo Diocesano, a favor dos que andão em má vida, sem que se soubesse de algum outro impedimento, em minha presença e das testemunhas, Capitão Jose Antonio Pinheiro, Capitão Fortunato Antonio de Souza e sua mulher Catharina Maria de Souza, recebeo em Matrimonio com palavras de presente Jose Raimundo, filho de Leonor Maria da Conceição, com Maria Joaquina de Jesus, filha legítima de Jose Antonio e Joaquina Maria da Conceição, ambos já fallecidos, escravos do Coronel Franscisco Antonio Pinheiro; todos fregueses desta Parochia: receberão as bençãos nupciaes, conforme o Ritual Romano. Para constar, fis este termo, que assigno. Era ut supra.

O vigário Inter[in]o Fr[ei] João da Santa Cruz

Fortunato Ant[oni]o. de S[ou]za


José Antonio Pinheiro

Autoria da transcrição do documento:
João Victor Conde Tovane - Graduando do Curso de Licenciatura em História, da Faculdade de História do Campus de Bragança da Universidade Federal do Pará. Email: condetovane@gmail.com

Sinopse do Documento

00:00 / 09:33

Registro de Casamento


Ano: 1870
Origem: Diocese de Bragança, Secretaria da Paróquia Nossa Senhora do Rosário, Registros de Casamentos da Paróquia Nossa Senhora do Rosário, Livro 2 (1869-1880), Página 21, manuscrito.
Sujeitos envolvidos: Jose Raimundo (nubente), Maria Joaquina de Jesus (nubente), Leonor Maria da Conceição (mãe do noivo), Jose Antonio (pai da nubente), Joaquina Maria da Conceição (mãe da nubente), Francisco Antônio Pinheiro (senhor de escravos), Jose Antonio Pinheiro (testemunha), Fortunato Antonio de Sousa (testemunha), Catharina Maria de Sousa (testemunha), João da Santa Cruz (vigário).


A fonte apresentada é um registro de casamento que se encontra na Secretaria da Paróquia/Catedral de Nossa Senhora do Rosário, datado de 6 de junho de 1870. Nesse dia, a Joaquina Maria da Conceição casou com o José Raimundo. Ambos eram escravizados por Francisco Antonio Pinheiro, um coronel e senhor de escravos de Bragança que, nos anos que se seguiram à implementação da Lei de 28 de setembro de 1871 (Lei do Ventre Livre), teve em seu nome matriculados vários de seus escravos para serem alforriados pelo fundo de emancipação, como o carafuz Miguel, de 15 anos, cujo valor foi estimado em 800,00 réis.


Na segunda metade do século XIX, para um casamento se realizar entre escravizados, deveria haver autorização de seus senhores, era preciso ainda verificar se havia algum impedimento ao matrimônio e ele deveria ser feito pelo pároco do lugar e na presença de testemunhas. Para o casamento de Joaquina e José, serviram como testemunhas o capitão Jose Antonio Pinheiro, o capitão Fortunato Antonio de Sousa e sua mulher Catharina Maria de Sousa, pessoas livres e de importância na cidade. O documento menciona ainda a mãe do noivo (Leonor Maria da Conceição) e os pais da noiva (Jose Antonio e Joaquina Maria da Conceição), sendo todos fregueses da Paróquia do Rosário.


Em 1870, era vigário interino em Bragança o Frei João da Santa Cruz, o mesmo que anos antes se envolveu com as negociações da Irmandade de São Benedito para a construção de um templo dedicado ao santo preto e que ainda na fase de sua construção (provavelmente em 1872), viria a ser trocado com o da Igreja do Rosário. O casamento foi registrado, portanto, antes dessa troca.


Fontes como este registro de casamento de escravos nos apresentam muito mais do que descrições ritualísticas ou dogmáticas cristãs, pois através delas podemos problematizar como as relações sociais e culturais entre sujeitos com situações jurídicas diversas lidavam com as instituições, costumes e crenças, portanto sendo mais que uma informação religiosa e/ou demográfica.


Na década de 1870, Bragança era uma cidade destacada por sua agricultura e comércio e onde ainda se registrava nela quase 3 mil escravos, pelo que se observa da lista dos que foram matriculados para serem libertados pelo fundo de emancipação na cidade, na sua quase totalidade identificados como escravos da lavoura.


Os negros escravos e libertos eram muitos e o casamento não deixava de servir como estratégia de normatização das relações sociais e de controle socioeconômico sobre os mesmos, além de uma imposição da Igreja Católica, que tinha o papel de legitimar as uniões daqueles que ela identificava como vivendo em “má vida”. Casar era ter a união com outra pessoa reconhecida como legítima, sendo manifestado tanto pelo Estado quanto pela Igreja o interesse em extirpar o concubinato. Isso valia para a sociedade em geral e também para os escravizados, cuja catequese era incentivada pela igreja e atribuída aos senhores de escravos.


Apesar dos controles impostos pelos senhores, bem como pelas autoridades civis e religiosas, negras e negros escravizados se casavam com outros escravizados, com libertos ou livres, sendo o casamento na igreja uma das formas de união e formação de famílias nos mundos da escravidão. Atualmente, a historiografia rebate a imagem da promiscuidade construída sobre os negros e as comunidades de senzalas e vem demonstrando a viabilidade que as famílias de escravizados tinham para viver de forma estável e duradoura. E também a importância da família, na medida em que casar-se poderia significar maior autonomia, materializada na possibilidade de ter um lugar para si, no alcance de maior controle sobre o espaço da “moradia”, na possibilidade de se produzir a própria alimentação para si e seus filhos, na maior privacidade e união familiar, como apontam os estudos sobre casamento e famílias escravas no Brasil.


No caso da fonte analisada aqui, para o registro do casamento, o processo matrimonial seguiu algumas exigências próprias do rito, em conformidade com as determinações canônicas e civis, justificadas pelo interesse de que, no futuro, o casamento não fosse cancelado, perpassando por etapas que incluíam os impedimentos e as dispensas, necessárias para legitimar o rito e assim obterem-se as bênçãos nupciais. Assim, são mencionadas no documento dispensas a duas exigências da época: impedimento de primeiro e segundo grau de afinidade ilícita na linha transversal e publicidade ou proclames.


Para entendermos estas exigências e impedimentos, bem como suas dispensas pelas autoridades religiosas, dependendo do caso, podemos lembrar que a principal fonte da normatização dos casamentos no período imperial foram as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, de onde emanavam 17 regras estabelecidas como transponíveis e intransponíveis. Ao falarmos de afinidade, estamos tratando de parentesco que se origina por vínculo matrimonial e não por vínculo sanguíneo ou adoção. A linha é a série de indivíduos consanguíneos, o grau é o intervalo que há entre os sujeitos. A linha pode ser reta (quando uma pessoa descende da outra) ou transversal (quando as pessoas provêm de um tronco comum, mas não descendem uma da outra). No caso, o documento menciona um impedimento que, conforme a normatização vigente, a afinidade, desde que não sendo em linha reta ou de primeiro grau da linha transversal de consanguinidade, poderia ser um impedimento transponível. Portanto, poderia ser requerido dispensa para o matrimonio. Ou seja, dependendo do grau de afinidade em que os nupciantes se ligavam, poderiam ser dispensados de impedimentos para união legitima. Isso é importante esmiuçar, pois alguns casos não necessitavam de impedimento ou dispensas, já outros não poderiam ser dispensados.


Para que um casamento fosse realizado, também eram previstas as proclamas de casamento, para dar publicidade àquela união e possibilitar contestações caso houvesse algum impedimento. Era função do bispo dispensar essa exigência, porém, em alguns casos, os párocos poderiam assumir essa competência, justificada no documento com a afirmação do vigário Frei João da Santa Cruz de que “por authorisação que tenho do Senhor Bispo Diocesano, a favor dos que andão em má vida” assim teria dispensado os proclames, com isso evitando uma das várias exigências que se transformavam em barreiras para regularização de uniões entre escravizados, muitas das quais já existentes por longo tempo.

Autoria da sinopse do documento: 

João Victor Conde Tovane - Graduando do Curso de Licenciatura em História, da Faculdade de História do Campus de Bragança da Universidade Federal do Pará Email: condetovane@gmail.com
Maria Roseane Corrêa Pinto Lima - Doutora em História, professora da Faculdade de História do Campus de Bragança da Universidade Federal do Pará, coordenadora do Laboratório de História e Patrimônio Cultural 
na Amazônia, membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Interculturais Pará-Maranhão. Email:
roseanepinto@ufpa.br

Documento 04

Transcrição do Documento

Biblioteca Pública do Pará “Arthur Vianna”
Seção de Microfilmes
Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional
Periódico (jornal). Diário de Notícias. Pará. Belém, 4 páginas. Página 2, Coluna 1. Impresso.
A abolição em Bragança. Belém. 19 de junho de 1884.

 

A abolição em Bragança

A idéa salvadora do Brazil, no estado precario em que elle se debate, tem encontrado fervorosos apostolos no município de Bragança. Já no mez passado, com a estada do sr. engenheiro Moura n'essa cidade, a idéa abolicionista quasi que era questão do dia.


Houve primeiro a lembrança de libertarem se as ruas, uma por uma, ficando depois assentado que, no dia em que chegassem os estudos e a via férrea ali, se declararam emancipados os municipios de Bragança, Vizeu e Quatipurú.


O povo, em companhia do engenheiro, fez uma excursão patriotica pela picada aberta pelo engenheiro Oliveira, havendo tal enthusiasmo que foram por esta occasião libertos cinco escravos gratuitamente, sendo os seus ex-senhores, o coronel José Caetano Ribeiro (1), tenente coronel Antonio Caetano Ribeiro (1), Professor Moysés Pinheiro (2) e a uma escrava, cujo valor foi indemnisado pelo engenheiro Ignacio Moura.


Alguns dias depois, indo esse profissional visitar a escóla do Professor Moysés, foi pelo filho do juiz de direito entregue uma carta de liberdade á escrava que o capitão Marinho gratuitamente emancipava.


Na occasião do embarque, foi á bordo do vapor costeiro entregue outra carta de liberdade á um escravo, moço, que fazendeiro José Baptista libertou por 350$ rs., como manifestação de apreço ao mesmo engenheiro Moura.


(...)

Autoria da transcrição do documento:
Carlos Denizar de Souza Machado - Mestre em História, professor da Secretaria de Educação do Estado do Pará,
membro do Grupo de Estudos e Pesquisas da Escravidão e Abolicionismo na Amazônia e doutorando do Programa de Pós-graduação em História, da Universidade Federal do Pará. Email: carlosdenizar@hotmail.com

Observação: Esta edição do jornal Diário de Notícias foi inicialmente pesquisada na Hemeroteca da Biblioteca Pública Arthur Vianna, onde se encontra em microfilme. Como muitos destes jornais paraenses atualmente compõem o acervo da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, para melhor visualização optamos por apresentar a imagem desta edição do jornal a partir do material digitalizado disponível neste último arquivo.

Sinopse do Documento

00:00 / 10:37

Periódico (jornal). Diário de Notícias


Ano: 1884
Origem: Biblioteca Pública do Pará “Arthur Vianna”, Seção de Microfilmes/Biblioteca Nacional, Hemeroteca Digital. Pará. Belém. 19 de junho de 1884. 4 páginas. Página 2, Coluna 1. Impresso.
Sujeitos envolvidos: Oito escravizados sem nome; Engenheiro Ignacio Moura; Engenheiro Antonio Joaquim de Oliveira Campos; Professor Moysés; Coronel José Caetano Ribeiro; Tenente-Coronel Antonio Caetano Ribeiro; Capitão Marinho; Fazendeiro José Baptista.


O documento que iremos aqui apresentar é um fragmento do periódico “Diário de Notícias”, de 19 de junho de 1884. O título dele é “A abolição em Bragança”, no qual é associada a chegada da via férrea na cidade com a propagação do discurso abolicionista.


A possibilidade da chegada Estrada de Ferro de Bragança nessa cidade foi associada ao discurso do abolicionismo em face da expansão das sociedade e clubes emancipacionistas e abolicionistas, o que poderia tornar-se, de um lado, símbolo de progresso, modernidade e até mesmo de trabalho livre, de outro ao espalhamento do abolicionismo da capital ao interior da província.


A possibilidade da chegada da Estrada de Ferro em Bragança seria um marco de progresso material, que foi associado ao discurso de que a escravidão era incompatível com a modernidade, simbolizada pelo trem. Entre 1883 e 1884 culminou o avanço do abolicionismo com as emancipações do Ceará, Amazonas e Benevides e a formulação de discurso de que o Pará deveria aderir de forma mais incisiva ao abolicionismo envolvendo de políticos a trabalhadores, de proprietários a libertos, das mulheres, artistas, estudantes, professores aos escravizados, militares, comerciantes e funcionários públicos.


No jornal é citado Ignacio Moura, jornalista do “Diário do Grão-Pará”, membro ativo da “Liga Redentora do Pará” e engenheiro da empresa responsável pela construção da EFB. Moura foi a Bragança, em junho de 1884 para apresentar estudos sobre a estrada de ferro à comissão local de autoridades. Além de ter realizado reuniões referentes à ferrovia, provavelmente também apresentou ideias do abolicionismo e barganhou algumas libertações de escravizados na ocasião, como as que são listadas nessa edição do jornal.


A fonte identifica a presença de um pequeno grupo político. Em geral, proprietários de terra e senhores de escravos. Podemos destacar três nomes:


Joaquim Moysés de Andrade Pinheiro, que foi professor da escola pública de 2º grau até 1888 e era proprietário de escravos. No contexto da visita que fizeram a Bragança, como uma “ação de louvor” à chegada dos engenheiros ali, Joaquim Moysés de Andrade Pinheiro libertou dois de seus escravizados.


O Tenente Coronel Antonio Caetano Ribeiro, por sua vez, foi presidente da junta de eleições municipais, exerceu cargo de Juiz de Paz e Vereador e da Câmara de Vizeu e Bragança, além de ter sido membro e chefe do Partido Conservador em Bragança. Na ocasião mencionada pelo jornal, libertou um de seus escravizados.


Finalmente, José Caetano Ribeiro, foi coronel da Guarda Nacional e político, tendo exercido cargo de vereador e presidente da Câmara de Bragança, sendo, portanto, uma liderança política com influência e laços com famílias abastadas e influentes na política provincial.


Os eventos mencionados na fonte promoveram um movimento de rua e a visibilidade tão buscada pelos abolicionistas, por meio da visitação do Engenheiro Ignácio Moura à Escola do professor Moisés, visita que foi articulada pelas autoridades locais, tal qual a intervenção do juiz interino da Comarca de Bragança, Marcondes Oliveira que, simbolicamente, entregava, na despedida dos engenheiros, mais uma carta de liberdade que o Capitão Marinho havia ofertado em regozijo pela presença dos engenheiros. 


Na fonte, os escravizados não foram nem nomeados. Um deles foi registrado como “escravo Moço” do fazendeiro José Baptista, que o libertoou pela quantia de R$350 réis em “manifestação de apreço” ao abolicionista Ignacio Moura.


O jornal registrava a memória das elites que priorizava as falas legalistas, harmônicas e bondosas dos senhores como ato de benevolência e caridade, Em geral, enfatizava-se que estes “doavam” cartas da liberdade “gratuitamente”.


Libertar Bragança, Vizeu e Quatipuru dimensionava a influência política e poder de articulação dos abolicionistas e a receptividade da elite local. A interiorização do discurso do abolicionismo crescia em face a expansão das revoltas de escravizados e o temor de rebeliões que abalassem seus domínios e hierarquias.

Libertar “rua por rua” até a redenção total mediante a promessa de chegada do “progresso” poderia configurar ação preventiva revestida pelo discurso de solução harmônica contra o possível aumento das tenções sociais na região bragantina, onde a proximidade de quilombos e mocambos na área fronteiriça com o Maranhão, notadamente região de fuga de escravizados, potencialmente explosivos com a facilitação das comunicações e possibilidade de ações subterrânea de acoitamento de escravos fugidos em quilombo.


Assim, por que não inferir que se desejava, ainda que de forma lenta, extinguir o escravismo numa região reconhecidamente área de concentração de escravos fugidos? Seria o medo de revoltas ou rebeliões que causassem incendiasse as senzalas? Acredito que o abolicionismo avançava na medida que a política de controle e domínio senhorial se esfacelava, em face as revoltas escravas, fugas, rebeliões.


Há que considerar que muitos destes escravizados já lutavam por sua liberdade, ora fugindo aos quilombos ou barganhando com senhores meios de obter a liberdade, acumulando recursos por anos de penosas atividades ao ganho cuja economias estavam depositadas com objetivo de comprar suas alforrias. Senhores libertavam seus escravizados somente mediante ao pagamento, ora realizado pelo próprio escravizado, por meio de contrato prestação de serviço ou então, parte amealhada das cotas destinadas ao fundo de emancipação, bem como por intermédio dos clubes e associação emancipacionistas e abolicionistas.


A retórica de abolição como “redenção”, o caráter de “salvação” encontrava ressonância na elite senhorial que buscava sustentar sua hegemonia e, assim, a consagração de uma memória paternalista, harmonia e fraternal do processo que culminou no fim do escravismo.

Autoria da sinopse do documento: 
Carlos Denizar de Souza Machado - Mestre em História, professor da Secretaria de Educação do Estado do Pará, membro do Grupo de Estudos e Pesquisas da Escravidão e Abolicionismo na Amazônia e doutorando do Programa de Pós-graduação em História, da Universidade Federal do Pará. Email: carlosdenizar@hotmail.com
Revisão: Maria Roseane Corrêa Pinto Lima - Doutora em História, professora da Faculdade de História do Campus de Bragança da Universidade Federal do Pará, coordenadora do Laboratório de História e Patrimônio Cultural na Amazônia, membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Interculturais Pará-Maranhão. Email: roseanepinto@ufpa.br

Documento 05

Transcrição do Documento

Biblioteca Pública do Pará “Arthur Vianna”
Seção de Microfilmes
Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional
Periódico (jornal). O Caeteense. Pará. Bragança. 25 de março de 1888. 4 páginas. Página 1, Colunas 1, 2, 3 e
4, e página 2, Coluna 1. Impresso.

 


[Página 1]

VINTE E CINCO DE MARÇO!

SALVE! CEARÁ

Foi n’este dia para sempre memorável, que a soberba Patria do mavioso cantor dos filhos de Tupan, deu ao universo o mais assombroso exemplo de heroísmo!


Há quatro annos a esta parte que a inclyta província do Ceará, convocando o seu magno concilio abolicionista, proclamou definitivamente urbe et orbe - dogma sublime da Redempção total dos seus municípios.


Com um só toque de vara refere-nos a historia, os potentados do mundo faziam tombar os ferros dos seus escravos pois bem, o Ceará melhor o fez com um só traço de Penna espedaçou a ultima algema dos seus escravisados!...


VINTE E CINCO DE MARÇO DE 1884- eis o estemma aureo que há de cingir sempre a nobre fronte da augusta Princeza do abolicionismo!


Eis o trophéo immorredouro que ella conquistou palmo a palmo pelo ascendente glorioso da caridade, da razão e da consciencia no grande tadio das ideias libertadoras!...


Esta solemme data assignala tambem um facto maravilhoso e eminentemente social, a egualdade evangélica perante os homens e a confraternisação universal!


E’ mais uma locção sublime de valor, abnegação e sacrifício que nos dicta a Jerusalém da liberdade a Roma christan do abolicionismo para onde os peregrinos, os desherdados da Patria. Que ainda gemem agrilhados ao poste infame da escravidão têm hoje fitos os olhos!...


25 de Março. E Ceará livre!


Eis duas phrases, disse um nosso illustre contemporâneo, que nos annaes da vida nacional hão de passar pelas gerações atravessando os seculos, intimamente enlaçadas, associadas no pensamento e na forma, constituindo na seccessão historica uma tradição fulgente, uma lenda popular sagradas ambas No lar e nas praças publicas!

Durante tres longos annos lactou aquelle povo homérico para lançar fora dos horrores da escravidão – 35,516almas captivas!...


E vence!... Foi um certamen giganteo! Uma peleja titânica! Um combate cyclpeo ferido em nome da patria uma batalha em nome do americanismo, uma lucta digna do nosso seculo de luz travada em nome da Religião do Calvario!


Salve Ceará livre!

*
* *

A abolição total dos escravos na heroica província do Ceará, não foi tão somente uma questão de orgulho e amor próprio provincial, foi acima de tudo um compromisso de honra tomado em face d’uma nação livre e independente!


Este facto assombroso revelou-nos ainda, que o escravo não deve ser encarado como um simples objecto de indecente trafego... e muito menos deve ser collocado nos ultimos degraus da escada social!


Não podendo jamais predominar como causa ou propriedade amovível, era illogico, irracional mesmo perdurasse como um ponto negro no mappa nacional em desdouro e menoscabo, da justiça divina e humana!


Si ha alguma causa de grande no mundo, é a liberdade humana, que estabelece uma admirável relação entre Deus e o homem; relação de semelhança pela qual o homem se une ao seu creador, e corresponde livremente ao amor que lhe deve.


A mais elevada ideia que se pode conceber no mundo é pois a da liberdade; mas a esta ideia liga-se tambem uma outra que completa a noção do livre arbítrio, pela noção da justiça divina; e esta ideia, é a ideia da egualdade!


O sentimento da justiça, é inseparável da ideia da egualdadede todos os homens perante Deus.


Esta grande verdade, sustentáculo e fundamento da justiça humana posta em pratica pelos invectos abolicionistas cearenses, foi quem abalou os alicerces da anachronica ordem de causas, sobre que estavam assentes os elementos sociologicos do Brazil!


Forçoso era portanto, que a pro-

[Página 2]


paganda libertadora impulsionada por estes sentimentos nobres e philantropicos em o meio de todos os elementos inorgânicos de todas as desigualdades de sorte e do arbitrario das paixões, não cedesse campo a doblez, nem se deixasse avassalar por loucos preconceitos e por as facções partidárias...


E assim suceedeu!...


A grandiosa missão da Terra da Luz terminou-se n’este dia!

Rendamos-lhe, pois os nossos eternos preitos, as nossas homenagens sinceras dea mor e gratidão pelo bem que praticou em nome da humanidade opprimida!


Enviemos-lhes as nossas saudações pelo horoismo inexcedível, com que Ella soube n’este dia vingar os nossos direitos da dignidade da alma humana, apagando do seu manto principesco a opprobiosa macula
da escravidão!


Imitemos o exemplo admirável que nos deu a Nova Canaanda Liberdade exemplo que muito concorreu para a libertação do Amazonas e há de concorrer para o livramento da soberba Paulicéa, a partia dos Andradas, e do Brazil inteiro d’onde em breve esperamos, se ha de extirpar este concro social- o esclavagismo, que é hoje a somma de todas as infamias!... na phrase enérgica de Weslei!...


Temos fé!... e com esta fé exclamamos:
SALVE! CEARÁ LIVRE!

Autoria da transcrição do documento:

Leiliane dos Santos Bulhões de Sousa - Professora especialista em Educação e Interculturalidade, mestranda do
Programa de Pós-graduação em Linguagens e Saberes na Amazônia, da Universidade Federal do Pará. Email: leilianetavares16@yahoo.com.br


Observação: Esta edição do jornal O Caeteense foi inicialmente pesquisada na Hemeroteca da Biblioteca Pública Arthur Vianna, onde se encontra em microfilme. Como muitos destes jornais paraenses atualmente compõem o acervo da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, para melhor visualização optamos por apresentar a imagem desta edição do jornal a partir do material digitalizado disponível neste último arquivo.

Sinopse do Documento

00:00 / 04:31

Periódico (jornal). O Caetéense


Ano: 1888
Origem: Biblioteca Pública do Pará “Arthur Vianna”, Seção de Microfilmes/Biblioteca Nacional, Hemeroteca Digital. Pará. Bragança. 25 de março de 1888. 4 páginas. Página 1, Colunas 1, 2, 3 e 4, e página 2, Coluna 1. Impresso.
Sujeitos envolvidos: Raimundo Ulisses de Albuquerque Penaforte (redator);


O documento aqui utilizado é um periódico, impresso em Bragança, no Pará, em 1888. Trata-se do Jornal “O Caetéense”, um semanário que circulou entre 1885 e 1892, que trazia logo abaixo do seu nome as palavras religião e pátria, e se apresentava como um órgão patriótico, literário e industrial. Seu fundador e redator era nada menos que o vigário do Caeté, o Cônego Raimundo Ulisses de Albuquerque Penaforte, comentado como um defensor de causas abolicionistas e indígenas. Nascido no Ceará, é o filho ilustre de um município que hoje leva o seu nome, Penaforte.


A edição do jornal “O Caetéense” que trataremos é a de número 27, que foi publicada no dia 25 de março de 1888. Nesse dia, completavam-se quatro anos de que “(...) a invicta província do Ceará, convocando o seu magno concílio abolicionista, proclamou definitivamente (...) a redenção total dos seus municípios”. Ou seja, o jornal celebrava a abolição total dos escravos ocorrida no Ceará e apresentava esse feito como um exemplo a ser seguido no Pará. Então o semanário repercute, em Bragança e arredores, os significados daquele feito e daquela data.


Aquele era um contexto em que as ideias de emancipação dos negros escravizados (ou seja, sua libertação gradual) passam a dar lugar aos anseios pela abolição. Abolição entendida como a libertação total, o fim do regime escravista como instituição legal e legítima. Essa era uma ideia que ganhava as páginas de muitos jornais paraenses naquele momento, não raro acompanhada de discursos em torno do trabalho, contornados por argumentos raciais e um ideário civilizatório.

Os últimos anos da escravidão no Brasil evidenciaram a ideia de que a nação precisava se libertar do sistema escravista para poder se integrar à modernidade e ao desenvolvimento que se esperava no final do século XIX para o país. Nesse cenário também podemos destacar o fortalecimento de movimentos abolicionistas, contexto em que muitos jornais que circulavam na capital e no interior da província do Pará se apresentavam como abolicionistas e com certa frequência noticiavam questões acerca dos negros escravizados e/ou libertos, procurando denunciar desde o comércio e tráfico interprovincial, até os maus tratos impingidos pelos senhores aos escravizados, bem como notícias da libertação de escravos.


Notícias em defesa da abolição da escravatura se tornaram mais recorrentes nos jornais e o jornal “O Caetéense” foi um deles, a exemplo dessa edição em que defende que a abolição da escravidão no Ceará foi um fato heroico e um “compromisso de honra tomado em face d’ uma nação livre e independente”.


É interessante percebermos que a imprensa buscava mostrar a importância de se noticiar a abolição da escravatura já ocorrida no Ceará naquele momento como um feito significativo não somente para o Grão-Pará mas para todo o Brasil, um ato digno de honra e respeito, sem esquecermos que as notícias não deixavam de dialogar com ideia de nação independente e civilizada que a abolição do elemento servil ajudaria a afirmar. Naquela edição, o jornal ainda se preocupou em valorizar o fato de que a província cearense foi precursora na abolição da escravatura mesmo sofrendo com as mazelas da seca, portanto mostrando a todo o país um excelente exemplo de sua grandeza.


Interessante também é notar que a extinção da escravidão, agora apresentado o regime como “a soma de todas as infâmias”, e a liberdade que ela promoveria viria a vingar direitos sagrados, o direito da dignidade da alma humana, sendo então a província do Ceará chamada no jornal de “Nova Canaã da Liberdade”.


Dessa forma, podemos entender que a província do Ceará foi tomada como um exemplo a ser seguido no Brasil todo e a imprensa se colocou nesse papel de propagar esse sentimento de libertação total dos escravos e não mais se limitar a noticiar apenas algumas libertações feitas esporadicamente pelos senhores de escravos, geralmente em comemoração a alguma data especial.

Autoria da sinopse do documento: 

Leiliane dos Santos Bulhões de Sousa - Professora especialista em Educação e Interculturalidade, mestranda do Programa de Pós-graduação em Linguagens e Saberes na Amazônia, da Universidade Federal do Pará. Email: leilianetavares16@yahoo.com.br
Maria Roseane Corrêa Pinto Lima - Doutora em História, professora da Faculdade de História do Campus de Bragança da Universidade Federal do Pará, coordenadora do Laboratório de História e Patrimônio Cultural na Amazônia, membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Interculturais Pará-Maranhão. Email: roseanepinto@ufpa.br

Documento 06

Transcrição do Documento

Arquivo do Fórum da Comarca de Bragança
PRODOC - Universidade Federal do Pará, Tribunal de Justiça do Estado do Pará
Caixa 2, Processos crime. Pará, Bragança, 75 páginas. Páginas 8 e 9. Manuscrito.
Summario de Culpa de Leandro Francisco da Silva. Bragança. 30 de julho de 1888.


[Página 8]

Autos de perguntas feitas a Manoel Marcos da Costa, como a baixo se declara.


No mesmo dia, mez, anno e lugar supra declarados prezente Manoel Marcos da Costa, a quem pelo Subdelegado foram feitas as perguntas seguintes.


Perguntado Qual o seu nome, idade, estado, filiação, naturalidade, e profição?


Respondeu: chamar-se Manoel Marcos da Costa, de trinta e seis anos pouco mais ou menos cazado filho de Inocencio


[Verso]


Jozé da Costa, natural do Pará lavrador


Perguntado si além da profissão que dizem digo que declara abraçar si não tem outro meio de vida?


Respondeu que entende de fazer alguns remédios.


Perguntado si é exato ter elle respondente sido convidado por Liandro Francisco da Silva, a fim de descobrirem ofim que teve um filho do mesmo, cujo desaparecimento teve lugar no dia 24 de Junho do anno passado?


Respondeu que sim.


Perguntado O que achou ou discobriu elle respondente quanto ao desaparecimento do referido menor, qual o rezultado que deu ao dito Liandro?


Respondeu que o resultado que elle respondente teve ao referido Liandro, foi em confirmar que o referido menor a chava-se no fundo da agua, visto já terem outras pessoas afirmado.


Perguntado: Qual os meios que uza elle respondente quando é convidado para tais discubertas?


Respondeu que uza da cantiga como achou coviniente no negocio ou cazo de que se trata e que depois dirigio-se ao rio onde chegando chamou pelas suas gentes que rezidem no fundo; que chegando estas elle respondente consultou se não lhe davão noticias do referido menor deazaparecido, respondendo-lhe uma das pessôas


[Página 9]

Por elle interrogadas que o referido menor lá não existia: que elle enterrogado perguntou á sua gente, como é que Joaquina e Muniz disseram disseram que o menino achava-se no fundo? Que em corau lhe forão respondido: isso é seisma. Perguntado: como é que ele respondente sendo avizado pelas suas gentes do fundo que o menino não achava-se encantado, como e para que fui contrariar oque lhe disseram dizendo aos paes do referido menor que elle ali se achava, que estava passando bem, e que voltaria d’ali no prazo de um anno?


Respondeu: que se assim procedeu foi para não dismoralizar aos seus colegas de arte.


Perguntado Quantos dias se demorou elle respondente em a caza do referido Liandro, e quanto ganhou pelo serviço que prestou?


Respondeu que alhi demoreou-se pelo prazo de um mez e que o referido Liandro gratificava com aquantia de dez mil réis e que João Padilha, sogro do referido Liandro lhe tinha oferecido certa vantagem afim de que elle enterrogado pudesse lavrar em suas terras pagando-lhe depois para diante conforme fosse pudendo, tendo elle enterrogado nesse espaço de tempo derribado uma roça a qual quazi acaba de plantar, porém que neste entervi eis que foram achados os óssos do menor dezaparecido em um canavial velho que estava sendo de novo aproveitado pela mulher do referido Liandro, com outras


[Verso]


plantações: que Padilha, ao aparecerem os referidos óssos ficara mal com elle respondente, dizendo-lhe que elle não queria que elle continuasse. E por nada mais saber nem lhe ser perguntado, assigna por elle respondente por não saber ler e nem escrever Pantaleão Venancio da Silva, depois de lhe ser lido e achar conforme com o Subdelegado, do que de tudo dou fé Eu Luiz Jozé da Costa, escrivão ad-hoc que escrevi.

Autoria da transcrição do documento:
Daniel Xavier da Fonseca - Professor de História, membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Interculturais Pará-
Maranhão e mestrando do Programa de Pós-graduação em Estudos Antrópicos na Amazônia, da Universidade Federal do Pará. Email: danyelxavier2@gmail.com

Sinopse do Documento

00:00 / 05:07

Summario de Culpa de Leandro Francisco da Silva


Ano: 1888
Origem: Comarca de Bragança-PA. Caixa 2, Processos crime. Pará, Bragança, 75 páginas. Página 8 e 9. Manuscrito
Partes envolvidas: Justiça Pública (autor) e Leandro Francisco da Silva (réu); ESCRIVÃO: José Manoel Cordeiro
JUIZ: Antônio Caetano Ribeiro (Juiz Municipal).


O documento que apresentaremos é um sumário de culpa. Segundo o Código do Processo Criminal de Primeira Instância do Brasil de 1842, essa documentação é composta pelas investigações policiais chegando na esfera judicial por meio da Promotoria Pública que forma a culpa para que esta seja analisada pelo Juiz Municipal que julgará o prosseguimento ou não das investigações.


O Sumário de Culpa que aqui tomamos como fonte histórica é de 1888. Tem como réu Leandro Francisco da Silva e investiga o desaparecimento e morte de seu filho, José, de oito anos de idade. Segundo consta nos autos, em 24 de junho de 1887, no Imborahy, desapareceu o menino José. Imborahy é o lugar, com rio de mesmo nome, onde residia aquela família de lavradores, formada por Leandro Francisco da Silva (trinta anos) e Jozefa Padilha da Silva (quarenta anos), com os filhos do casal. No documento registra-se que, após o terem procurado na mata próxima à sua casa, comunicaram o desaparecimento da criança ao inspetor de quarteirão, Thomaz Ferreira da Silva. Este reuniu mais pessoas para tentar encontrar o menino desaparecido, porém, não obtiveram sucesso.


Após as tentativas, os pais de José recorreram aos adivinhões conhecidos por pajés, para descobrir o paradeiro de seu filho. Após realizarem danças e cantos, os pajés afirmaram que o menino havia sido encantado em um olho d’água místico e que regressaria dentro de um ano. Em 9 de março de 1888, a mãe de José encontrou os ossos do menino em um canavial velho que ela teria tocado fogo. A partir desse achado, iniciaram-se as investigações em que é réu o pai do menino.


Em depoimento realizado em dois de abril de 1888, Leandro afirmou ter convidado os pajés Aureliano da Anunciação; Joaquina, mulher de Saturnino; Silvana Roza Corrêa; Manoel Muniz do Rozário e Manoel Marcos da Costa, para descobrir o paradeiro de José. Contudo, é importante destacar duas falas: a contestação de Leandro ao depoimento de Manoel Muniz do Rozário e o depoimento de Manoel Marcos da Costa.


Manoel Muniz do Rozario, de sessenta anos de idade, casado e lavrador, foi inquirido em 12 de abril de 1888. Em seu depoimento, o dito pajé negou ter sido convidado para adivinhar o paradeiro de José. Ele teria ido ao Imborahy apenas para tratar de outros negócios. Porém, Leandro contestou a fala de Manoel Muniz e afirmou que o pajé, depois de ter cantado e dançado, dirigiu-se ao rio e ao regressar dali disse que tinha visto o filho de Leandro e tentou segurá-lo, mas o mesmo desapareceu.


Os Autos de Perguntas feitas a Manoel Marcos da Costa, em 28 de abril de 1888, nos dão indicação de como aconteceu o ritual para adivinhar o paradeiro de José. Segundo consta, o pajé Manoel Marcos cantou de acordo com o caso ou como achou conveniente. Em seguida, dirigiu-se ao rio para chamar por sua gente que reside no fundo, ou seja, os encantados cultuados na pajelança. As gentes do fundo responderam ao pajé que José não se encontrava ali. O pajé então perguntou o porquê de Muniz ter dito que o menino estava no fundo e as gentes do fundo responderam em coral que era cisma do pajé Muniz.


Além da crença em pajés e gentes do fundo, o Sumário de Culpa revela também o cotidiano daquele tempo e lugar. Há nele relatos das testemunhas e da profissão que declaram exercer bem como as querelas entre vizinhos, atestado por exemplo no depoimento de Mateus Ferreira Lisboa. Sendo um senhor de sessenta anos de idade, casado e lavrador, declarou em dois de janeiro de 1892 que Leandro Francisco da Silva era conhecido, no lugar em que residia, como perverso e de péssimos costumes.


O Sumário de Culpa apresentado teve como desfecho o arquivamento, pois o então Promotor Público da Comarca de Bragança Antônio Caetano Rabello, em 30 de janeiro de 1889, declarou em Vistas que, de acordo com a leitura que fez do inquérito, não houve prova de criminalidade do acusado, e entendeu haver apenas ouvida vaga ou voz pública e o que contam em seus depoimentos não teria importância alguma.

Autoria da sinopse do documento: 
Daniel Xavier da Fonseca - Professor de História, membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Interculturais Pará-Maranhão e mestrando do Programa de Pós-graduação em Estudos Antrópicos na Amazônia, da Universidade Federal do Pará. Email: danyelxavier2@gmail.com
Revisão: Maria Roseane Corrêa Pinto Lima - Doutora em História, professora da Faculdade de História do Campus de Bragança da Universidade Federal do Pará, coordenadora do Laboratório de História e Patrimônio Cultural na Amazônia, membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Interculturais Pará-Maranhão. Email: roseanepinto@ufpa.br

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